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Como é a segurança na Fórmula 1 e 2

Como é a segurança na Fórmula 1 e 2

Se você perguntar a qualquer profissional do automobilismo que vivenciou diferentes épocas desse esporte, como o piloto inglês Stirling Moss, prestes a completar 89 anos, dia 17, quatro vezes seguidas vice-campeão do mundo, de 1955 a 1958, o também piloto escocês Jackie Stewart, vencedor do mundial de F1 em 1969, 1971 e 1973, qual a maior diferença entre os distintos períodos das corridas de automóveis, eles respondem sem pensar: o impressionante aumento na segurança.

Na tradicional foto que os pilotos fazem ainda hoje, juntos, antes da primeira etapa do campeonato, em cima da linha de chegada, e depois no último GP da temporada, nos anos 50, 60 e mesmo na década de 70 eles sabiam que na foto final do ano alguns dos presentes na foto inicial não mais estariam lá. Motivo: morreriam nas pistas.

A reportagem do Youse ouviu Stewart a respeito da segurança. Ele foi o primeiro a levantar a bandeira, no fim dos anos 60, e, em certas ocasiões, entrar em conflito com os organizadores e promotores dos GPs:

Perdíamos um ou dois colegas, por vezes amigos, por ano. Tínhamos consciência dos riscos extremamente elevados da atividade que exercíamos, naquela época mais por paixão do que qualquer outra coisa. Mas, ao mesmo tempo, era visível ser possível fazer muita coisa para evitar vários acidentes fatais. Eu diria, mais questão de iniciativa do que investimento, propriamente.”


A lenda da F1, Jackie Stewart

Imagine que os pilotos até o começo dos anos 60 competiam sem cinto de segurança e a parte mais alta do veículo era a sua cabeça, resguardada por um capacete que lhes davam bem pouca proteção. Sem falar que o fogo era algo que aterrorizava a classe, pois os materiais de que os carros eram construídos, metal, e a disposição e concepção dos tanques favoreciam amplamente a, nos casos de impacto, o combustível se espalhar e, com contato com os superfícies quentes dos monopostos, entrar em combustão.

O tema segurança é extremamente amplo. Em geral, o aumento da segurança dos carros implica elevar seu peso, em outras palavras, perder performance, algo que ninguém deseja, nem mesmo os pilotos.

A saída passou a ser a entidade reguladora, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), a se interessar mais pelo caso e passar a impor obrigações a todos, em todas as áreas: construção do carro, indumentária dos pilotos, instalação de grades de proteção nas pistas e a criação de zonas de escape, treinamento padrão para o resgate aos acidentados e no atendimento médico, em ambulatórios nos circuitos cada vez melhor equipados. Dentre outras preocupações.

Vale para todos

O conceito de segurança das competições de F1, F2 e F3 são, essencialmente, os mesmos, pois estamos falando de categorias de monopostos, carros para um só piloto, com rodas descobertas. A diferença maior entre elas é a velocidade proporcionada por motores bem mais potentes, o emprego de tecnologias hiperavançadas, pneus mais largos e geração de pressão aerodinâmica, por exemplo. Assim, quando falarmos de segurança, o que é bom para a F1 em geral vai além das necessidades da F2 e F1.

Que tal começarmos a falar dos materiais para explicar a diferença de segurança entre o que existe hoje quando Sérgio Sette Câmara, piloto patrocinado pela Youse, alinha o Dallara-Mecachrome da equipe Carlin nas 12 etapas do campeonato, e o que havia em um passado não por demais distante?

Enquanto no passado quase tudo em um monoposto era produzido com ligas de alumínio e aço, hoje os materiais compósitos dominam a cena

Se você se aproximar do carro de Sérgio e mais ainda de um dos modelos de F1, verá que o metal é cada vez menos empregado. Como assim? Isso mesmo, enquanto no passado quase tudo em um monoposto era produzido com ligas de alumínio e aço, hoje os materiais compósitos dominam a cena. Você não leu errado, compósitos.

O que é isso? Você já deve ter ouvido falar em fibra de carbono, kevlar, nomex. São exemplos de materiais compósitos. Eles têm uma matriz e nela são acrescentadas partículas. Calma, é fácil entender. Imagine o cimento misturado com a areia. Seria a matriz epóxi do material compósito, com efeito de “cola”.

Agora, pense nas pedras, necessárias para junto com o cimento e a areia oferecer a resistência do conjunto. Elas seriam as partículas destinadas a, junto com a matriz, disponibilizar um material, a fibra de carbono, cujas propriedades os engenheiros projetistas mais buscam no automobilismo, seja onde for: maior resistência associada a menor peso.

Na realidade não apenas nos veículos de competição, em alguns de série de alta performance a fibra de carbono já é utilizada. Na aviação, seu emprego é crescente. Os três últimos lançamentos da indústria aeronáutica, o Airbus A380, A350 e o Boeing 787 se caracterizam pelo emprego em larga escala dos materiais compósitos, notadamente a fibra de carbono, por causa das propriedades descritas, resistente e leve.

Monocoque, onde tudo começa

A parte central de um monoposto, seja da F1, F2 e F3, onde se encontra o cockpit, são “encaixadas” as suspensões dianteira e, atrás do piloto, depois do tanque, o motor, chama-se monocoque. Ele é produzido em fibra de carbono com reforço em kevlar em determinadas áreas mais propensas de poderem ser perfuradas nos casos de impactos.

Os engenheiros criam um molde, o envolvem com a fibra de carbono, material de fácil manuseio, mole, e depois levam tudo para uma autoclave. O que é isso? É um forno onde você controla além da temperatura a pressão no seu interior. Depois de algumas horas, dependo do que você busca, o técnico retira o molde da autoclave onde já está pronto o monocoque.


Monocoque de carro da F1

As pancadas que você vê acontecer e os pilotos saírem debaixo da poeira abanando o macacão sujo, sem ferimentos, decorrem, em grande escala, do já descrito, a impressionante resistência da fibra de carbono, superior à do aço, conferida ao monocoque. Os aerofólios e a carenagem dos carros da F1, F2 e F3 é feita de fibra de carbono também. E nos últimos anos, braços de suspensão e a caixa externa do câmbio.

Os metais ainda estão presentes no motor, nas engrenagens e nos elementos da transmissão. Os usados são ligas de aço, alumínio e titânio.

A FIA realiza testes de resistência (crash test) severos antes de o campeonato começar em cada monocoque

Vimos, portanto, como o carro ficou resistente a impactos. Nesse monocoque há porções na frente, atrás e dos lados destinadas a absorver parte da energia dos choques. E a FIA realiza testes de resistência (crash test) severos antes de o campeonato começar em cada monocoque e outros setores do carro examinados. Uma vez aprovado nesses experimentos laboratoriais a FIA homologa o monocoque ou o que estiver verificando.

Observe com atenção os carros que Ayrton Senna pilotava no seu tempo de McLaren, de 1988 a 1992, e conquistou seus três títulos. Ele ficava com os ombros fora do cockpit, a proteção a seu corpo e cabeça era relativamente reduzida. É duro dizer, mas os acontecimentos trágicos naquele fim de semana em Ímola, Itália, em 1994, redimensionaram a segurança na F1, F2 e F3.

Mudança conceitual

As medidas até então empregadas se baseavam na experiência e intuição de seus criadores, engenheiros das equipes, em essência. A perda de Ayrton Senna e do piloto austríaco Roland Ratzenberger levaram a FIA a criar o Instituto FIA, liderado pelo então médico-chefe da entidade, o neurocirurgião inglês Sid Watkins.

A partir daí, tudo o que se passou a adotar no automobilismo no campo da segurança é o resultado de complexos estudos envolvendo profissionais das mais distintas áreas e equipamentos para experimentação. Do empirismo a FIA foi para o científico.

A eficiência dessa nova postura da FIA para com a segurança pode comprovada por nesses 24 anos, desde a criação do Instituto. Houve apenas uma morte na F1, a do francês Jules Bianchi, em 2015, em decorrência de um acidente no GP do Japão de 2014 pouco comum: saiu da pista, com o carro da Marussia, e colidiu com um trator, destinado a retirar a Sauber do alemão Adrian Sutil, estacionada na área de escape.

O fato de o piloto francês não ter reduzido a velocidade no veloz Circuito de Suzuka, sob chuva, quando havia bandeiras amarelas agitadas, teve grande importância na tragédia.

Medidas inteligentes

São exemplos de avanços na segurança introduzidos pelo Instituto FIA: o cockpit proteger muito mais a cabeça do piloto, mais alto, fechado, revestido por material capaz de absorver energia em caso de impacto, a introdução do halo, arco sobre o cockpit, do Hans, destinado a proteger a coluna cervical nas batidas frontais, capacetes muito mais seguros, emprego de uma espécie de caixa preta, como nas aeronaves, destinada a monitorar e registrar vários parâmetros de funcionamento, muito útil para estudar o ocorrido nos acidentes.

No segmento da segurança ativa, a que depende da ação de profissionais ou voluntários experientes, como o resgate de um acidentado, o Instituto FIA criou um padrão de procedimento, com espaço de tempo reduzido para a primeira intervenção ao piloto. E como ele deve ser atendido. Se ele respira normalmente, os comissários, com a orientação dos médicos de cada ponto da pista, começam por imobilizar a coluna cervical antes de retirá-lo junto do banco padrão.

Na área médica houve outra importante mudança, com a perfeita integração entre o grupo que assiste o piloto acidentado na pista, o que o aguarda no hospital do próprio autódromo e os de plantão se eventualmente o piloto precisa ser transportado de helicóptero.

Isso tudo sem falarmos na profunda revisão dos circuitos, em que a maioria ampliou as zonas de escape, instalou o chamado softwall, ou muro macio, com sua capacidade retrátil destinada a reduzir a aceleração dos choques, ou mesmo barreiras de pneus revestidas por mantas de borracha.

Acrescente nessa equação que eleva o padrão geral de segurança o maior controle da conduta dos pilotos, a fim de evitar batidas entre seus carros, e a adoção de punições para quem não as cumpre, algo quase inexistente no passado, ao menos como hoje. Essa disciplina colabora com o aumento da segurança por reduzir a possibilidade de acidente.

Não há garantia

Mas mesmo com tudo isso quando se está a 360 km/h, como a F1, em Monza, dia 2, a 300 km/h, no caso da F2, e a 250 km/h, no da F3, o risco de algo não previsto gerar um acidente sempre existe. A função da FIA é estudar em detalhes, com rigor científico, de engenharia, cada incidente e criar regras que diminuam ao máximo a possibilidade de os pilotos, mecânicos, comissários e até o público se ferirem.

Apesar do avanço exponencial da segurança, como afirmou Jackie Stewart à reportagem da Youse, sempre há onde pode ser melhorada.

“Enganam-se os que acham que nada pode acontecer. Em relação ao tempo quando comecei (anos 60), o que temos hoje é impensável. Nós tínhamos uma ambulância parada atrás dos boxes e corríamos, em qualquer condição, com árvores do lado do asfalto. Mas é importante seguir com as experiências e estar sempre atento a toda tecnologia que possa surgir para melhorar ainda mais o que já existe. Sei, por exemplo, que há estudos avançados para a introdução do airbag. O importante é que a F1 (entenda-se F2 e F3 também) está, quanto à segurança, no caminho certo.”

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